sábado, 19 de maio de 2012

Cordão umbilical

São nove meses dentro de um processo de evolução que começa em um sonho de possibilidade, em um descuido pensado, em uma roleta russa da vida, de formas e possibilidades distintas, inclusive na decisão de uma figura sisuda de roupa preta que decide, como o mesmo Salomão dos contos de outrora, quem fica com quem, quem ganha vida ao lado de alguém. O nascimento se dá de diversas formas, e os homens estamos no meio disso tudo, de todos os jeitos.


Para mim, por exemplo, quando nasceu Rafael, lembro daquela cara linda se esgoelando no monitor de TV gigante em frente de mim, aquele guri bonito, acabado de ganhar o mundo e sentir essa fotofobia maluca de quem é arrancado de um sonho bom. Putz! Quem me puxou? Bebi o que ontem? Onde estou? Quem eu sou? Para onde vou no meio desse baculejo recebido logo na chegada do trem da vida? Nascido o filho, nasceu o pai.


Ali, naquele momento do nascimento, por instinto, conhecimento ou desespero, tratamos de reconhecer o mínimo que seja, e o cheiro nos leva para aquele colo quente e gostoso que, por algum motivo, nos faz sentir seguros. Quando percebemos que a mãe ainda vem com lanche acoplado, rá! Quem tira a gente dali? Nascemos com um fast food ao lado, e, em muitos momentos, pronto para nos atender com delivery ao menor sinal de fome. Às vezes, basta um chorinho e serviço completo aparece, sem precisar levantar.


Coisa de louco o serviço na primeira e tenra infância. Não tem como não se apaixonar por essa mulher. Nos aquece, nos cuida, nos ouve, nos alimenta; traz em si a lembrança daquele cordão por onde nos fizemos, nos construímos e fomos sentindo que existia algo bem interessante além daquela caverna inundada.


No meio desse turbilhão, o cara com o rosto grudado no monitor de TV realizando  a informação que chegou em 9 meses para um e para ele se realizou em segundos. Tenho a impressão de que é assim que eles nos enxergam quando nascem.


Para quem nunca esteve em uma sala de parto, devo dizer, é lindo, emocionante, e lamento muito não ter estado em todas as dos meus 3 filhos, mas é importante que se reconheça que nós pais somos um elemento estranho no ambiente. Eu sei que muitos vão falar horas sobre teorias que mostram a importância do homem no nascimento e concordo sobre isso, mas sejamos sinceros que isso é um grande risco, porque tudo pode acontecer na hora em que damos de cara com aquela coisinha nascendo.


Ali, naquele momento, não nasce só uma criança, nasce um pai que engatinha, que sofre, que sente um montão de coisas díspares, que descobre o que é esse amor incondicional e que, ao contrário da mãe, que tem seu cordão cortado no parto, parece que tem o seu cordão colado naquele momento.


Esclareço que sou dos que ficam putos da vida quando dizem que ser pai é completamente diferente de ser mãe. Se falar no sentido de papéis, terá toda minha concordância, mas se falar no sentido de importância, não me calo “nem a pau, Juvenal”.


Sempre fui amigo das ginecologistas das mães dos meus filhos, e, para a que fez o parto dos dois mais novos, quando ela me dizia que deveria primeiro cumprimentar a então minha mulher, antes de falar com ela, esclareci logo de cara e fui taxativo: tenho que me dar bem contigo, porque na hora que a chapa esquentar, ela pode estar dopada e não saberá a diferença entre mim e o Zé Carioca.


No nascimento, pai parece um acessório daqueles que ornam bem no ambiente, mesmo que pareça desnecessário, e, ou acaba ficando bufão ou despachante de gente que faz visita e te cobra charuto, parecendo entidade fingida.


O tempo se desenrola, a vida vai encontrando caminhos e nem sempre o sonho de levar o filho ou a filha no estádio é mais rápido do que o novo namorado da mãe, que se arvora a fazer isso como se fosse algo comum. Nosso sentimento homicida fala forte, mas...fazer o quê? Nessa hora lembramos que o cordão é nosso.


No desenrolar da vida de um filho, os momentos permitirão que cada um dos cúmplices que geraram aquela nova vida tenham seu papel, esse que deve ser desempenhado com a certeza da construção de algo bom, digno e ético, nascido daquilo que um dia foi chamado com a certeza de amor, esse mesmo amor que se materializa naquela pessoa, naquela criança, formando esse link de vida que permite a nós, meninos, a sensação umbilical da origem de tudo.


Até porque o tudo, no final das contas, é o tanto de momentos que passaremos com e por essas figuras, sejam nascidas de nós ou não.


No tempo moderno da família, o cordão umbilical sai do nascimento para ganhar função de construtor de rede, juntando os diversos encontros que fazem, no decorrer da vida, a construção do sentido da palavra amor, esse combustível que irriga nossos sonhos e todos os próximos desconhecidos dias.


Belém, maio de 2012.